Manualidades

Artes criativas: velas, sabonetes, molduras em papel, técnica do guardanapo... email: marina.nobre@sapo.pt

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Crazy quilt


Criado na Inglaterra Vitoriana, diferencia-se pela composição irregular dos retalhos e por apresentar aplicação de bordados, predarias e outras enfeites.

Remendar roupas rasgadas com retalhos já era prática comum na antiguidade. Com o passar dos séculos, o que constituía simples medida de economia acabou virando recurso estilístico, e assim surgiram os tecidos feitos de retaçhos, conhecidos como patchwork ou quilt. Representativos de várias épocas, eles foram encontrados no Egipto, Assíria, India, Japão, Holanda e América do Norte. A técnica consiste em unir pedaços de tecidos de cores e estampas diferentes ou aplicar retalhos sobre um tecido neutro de base, formando uma figura. Mas há inúmeras variações. A mais peculiar, sem dúvida, é o crazy quilt, que foi inventado na Inglaterra, durante a Era Vitoriana (1837-1901). Ele propõe uma configuração aparentemente caótica, com pontos de arremate no contorno dos blocos e aplicação de bordados, pedrarias e outros enfeites sobre as costuras. O efeito final é incontestavelmente uma surpresa, uma espécie de caleidoscópio desvairado, que causa as mais diferentes impressões conforme o ângulo de visão. A invenção do crazy quilt tem ligação directa com a rainha Vitória, da Grâ-Bretanha. Inconformada com a perda do esposo, Albert; ela passou a colecionar infindáveis objectos como lembrança, chegando a entulhar inúmeros cômodos e corredores do Castelo de Windsor.. Os decoradores da época incorporaram a novidade e reproduziram a "bagunça" da rainha nos ambientes mais nobres. As mulheres aderiram ao estilo e passaram a fazer patchwork com tecidos extravagantes, combinando cores vivas e contrastantes e improvisando desenhos. As primeira peças confeccionadas serviam exclusivamente como colcha, mas logo o crazy estendeu seus domínios, aparecendo no salão de visitas, jogado sobre o encosto dos sofás, esticado sobre os pianos e até preso nas paredes, como panôs, para que todos pudessem apreciar. O esforço das mulheres em deixar as casas ricamente adornadas tinha ares de competição, que era estimulada pela grande afinidade dos britânicos com os trabalhos manuais. Eles costumavam apregoar que "mãos alegres são mãos ocupadas". Assim, esta variante do patchwork encontrou campo fértil para se desenvolver. Quem mais beneficiou deste modismo foram os comerciantes de sedas, que começaram a vender livros com sugestões de modelos para incentivar a ousadia das mulheres. Destacavam-se os desenhos assimétricos japoneses, bastante adequados à técnica, riscos de animais ou insectos - em especial aranhas - e flores. Entre os temas clássicos, também vale destacar a figura de menina cunhada por Kate Greenaway, uma pintora e ilustradora inglesa popular na segunda metade do sec. XIX. A menina tornou-se marca registada do crazy, aparecendo sozinha ou com ouitras crianças em toda a peça que se prezava. Além dos tecidos nobres, as mulheres descobriram outra matéria-prima que se tornaria uma coqueluche. Eram tirinhas rectangulares de tecido encontradas nos maços de cigarros e caixas de charuto, em que figuravam celebridades da época, como actores, estrelas da ópera, políticos e também animais, indios e até bandeiras. Essas fitinhas, juntamente com tecidos estampados com delicadas pinturas a óleo seguindo as mesmas temáticas, ajudavam o crazy quilt a cumprir o seu papel, o de documento histórico. Datas importantes, como casamentos, aniversários e falecimentos eram geralmente bordadas nos trabalhos, além das iniciais do artesão ou do casal. Pedaços de tecidos de roupas, lenços e gravatas davam um toque pessoal às criações, que se assemelhavam a álbuns de recordações ou mesmo diários pessoais. As mulheres das fazendas, que não tinham acesso fácil aos tecidos luxuosos, recorriam à lã e ao algodão. Suas confecções eram mais simples, mas, nem por isso, menos importantes, já que retratavam as ambições e sonhos da vida rural. Aliás, foi por conta dessa característica documental que o quilt foi exportado para os Estados Unidos, divulgando a cultura europeia. O sucesso foi imediato. Já em 1876, acontecia na Filadélfia a Exposição Centenária, mostrando a popularidade e desenvolvimento do crazy quilt na América. As lojas femininas viviam fartas de material diversificado e dicas para as confeccionistas. As moças aprendiam a técnica juntamente com os trabalhos domésticos enquanto noivavam. Conta-se até que elas só poderiam casar-se após terem feito 13 peças, como um símbolo de maturidade e preparo para a vida conjugal. Uma prática muito comum desde o final do séc. XIX e que se mantém até hoje, é a de um grupo de mulheres se reunir e costurar conjuntamente uma colcha para presentear uma amiga ou parente. Cada uma é responsável por um bloco do crazy quilt e nele pode expressar suas mensagens, sentimentos e dedicatórias. Esta tradição de produzir colectivamente fez com que surgissem clubes onde os associados compartilham experiências e ideias. Hoje há vários deles espalhados pelo mundo e quase todos se comunicam entre si através do que se chama de "Quilter's Network".

Reportagem de Danielle Arantes Giannini
Revista Faça Fácil nº 142